Páginas

quarta-feira, 21 de maio de 2014

Há 40 anos: um santo no Brasil


Completa-se hoje quarenta anos da histórica visita do fundador do Opus Dei ao Brasil: Josemaria Escrivá chegou em São Paulo na noite do dia 22 de maio e aqui permaneceu até 07 de junho de 1974. 

I. Um burrico Sarnento no Brasil

Os trabalhos apostólicos do Opus Dei no Brasil iniciaram em 1957, apenas vinte e nove anos depois da fundação do grupo, na Espanha. Era desejo de seu fundador, Monsenhor Josemaria Escrivá de Balaguer estar presente a seus filhos e a Obra, que já em 1974 estava espalhada por 32 países. 

Aos 71 anos de idade o padre - como era e permanece sendo chamado pelos que participam do Opus Dei - iniciou uma jornada de visitas apostólicas à América Latina. Por duas semanas ele permaneceu no Brasil e depois seguiu viagem pela Argentina, Chile, Peru, Equador e Venezuela. 

Foi pensando na sua idade  - que já seguia avançada -  e na saúde fragilizada que preparam uma agenda bastante simples, na qual permitiriam ao padre descansar e rezar muito, enquanto estivesse por aqui. No momento em que lhe apresentaram ele a recusou dizendo: "mas isso não é trabalho: isto é alegria grande, isto é descanso. É estar bem demais!”

O "Burrico Sarnento", como se definia Josemaria, queria estar com os seus e aproveitar o tempo para desenvolver um apostolado fecundo junto de todas as almas. 

II. Uma alma que arrastava o corpo

São Josemaria chegou ao Brasil acompanhado de seu Confessor e Secretário Particular, Alvaro Del Portillo (que será canonizado em setembro) e do atual Prelado da Obra, Javier Echevarría. Havia em São Paulo naquele época um numerário - José Luiz - que há anos ocupava o cargo de chefe do serviço de eletromiografia do Hospital do Servidor Público Estadual de São Paulo. Lá solicitou a um colega seu que acompanhasse os resultados de certos exames do padre. Esse, depois de examinar os dados, disse-lhe:

– Com certeza esse senhor deve estar prostrado na cama, sem poder-se mexer...


José Luis riu e retrucou, com uma expressão muito sua:

– No..., no! Não pára de trabalhar, de falar em público, e de andar de um lado para outro. Está tão ágil de corpo e de espírito como um jovem de trinta anos...

Álvaro del Portillo já fazia tempo que ficava assombrado ao ver como, segundo nos dizia, “a alma do Padre arrastava o corpo”. E o “arrastava” de uma maneira humanamente inexplicável. De fato a saúde do padre era fraca, o diabetes, mesmo tendo desaparecido, deixou-lhe como sequela uma insuficiência renal, com os conseqüentes riscos cardíacos e respiratórios. Nessas condições, uma simples bronquite poderia significar um perigo grave.

III. A primeira viagem de helicóptero 

Já em 23 de maio, no primeiro dia transcorrido no Brasil, Mons. Escrivá manifestou o seu desejo de fazer, em alguma igreja próxima, a romaria que tradicionalmente todas as pessoas do Opus Dei fazem, no mês de Maria, a um santuário, igreja ou capela dedicados a Nossa Senhora. O Padre Xavier, (Ou "Doutor Xavier", que hoje seria o Vigário Regional para o Brasil) sem pedir nem sugerir nada, teceu os louvores do Santuário de Aparecida, falando desse foco intenso de devoção, meta de incontáveis romarias vindas de todos os cantos do país. O Padre adivinhou o “pedido” implícito, e respondeu: – “Farei o que você quiser”, o que, traduzido, significava: – “Vamos a Aparecida, se assim você o quiser”.

Então, o pe. Xavier ousou expor uma sugestão complementar. Dois bons amigos, cooperadores da Obra, donos de uma empresa de fumigação aérea para a lavoura, haviam-se prontificado a deixar à disposição de Mons. Escrivá um helicóptero da companhia, um aparelho francês a jato – um Gazelle –, rápido e estável. Será que o Padre gostaria de ir a Aparecida por ar?

– “Por que não? – foi a resposta tranqüila – Farei o que você quiser”.

Uma vez aceito o plano, não demoraram muito a ser acertados o dia e a hora da viagem. Seria a primeira vez na vida em que São Josemaria voaria num helicóptero. A data escolhida foi 28 de maio. Partiriam do aeroporto do Campo de Marte às dez da manhã. 

Efetivamente, antes das dez horas desse dia, o Padre foi recebido no Campo de Marte, com grande amabilidade, pelos dois cooperadores – Sérgio e Luis Cláudio – com as suas respectivas esposas, outros dois casais amigos e o afabilíssimo comandante Simões.

Na pequena sala de espera, iniciou-se imediatamente uma cordial tertúlia, um diálogo ameno, descontraído, sobrenatural e bem-humorado entre o Padre e seus anfitriões aeronáuticos, com predomínio das vozes femininas, cada vez mais empolgadas com as coisas tão claras e sugestivas que aquele sacerdote lhes comentava sobre a família, o amor humano, a formação dos filhos, o Brasil ... 

Todos eles guardaram a lembrança daqueles momentos para o resto da vida (vários dos que lá estavam, passados os anos, me contaram e recontaram esse encontro muitas vezes!). E todos se recordam também da aflição com que a cada quinze minutos, a cada meia hora, a cada hora, seus corações se apertavam, porque chegavam notícias de que o helicóptero atrasara, e sabiam que, desde cedo, uma multidão tinha ido por estrada a Aparecida e lá estava aguardando o Padre para rezar com ele. Os comunicados informado que, por circunstâncias imprevistas, o helicóptero ainda demoraria caíam como uma sombra. Não se sabia quando conseguiria pousar.

O mais interessante, porém, dessas horas de aperto, é que todos os que lá se achavam lembram-se bem da paz, da serenidade, do sorriso – sem o menor sinal de contrariedade ou de impaciência – , com que Mons. Escrivá tomava conhecimento dessas informações. Não dava a menor importância ao atraso para não afligi-los. Mais: fazia questão de intensificar a cordialidade, o humor e a vibração apostólica da sua conversa.

Inicialmente, o almoço desse dia deveria ser ao regressar de Aparecida. Mas, como não pudera haver ainda a “ida”, resolveu-se que o Padre voltaria a casa, para lá almoçar, à espera de que, do Campo de Marte, ligassem avisando que o helicóptero já tinha pousado. Mal ia entrando pelo portão, os que lá o aguardavam viram-no sorrir, alegre, enquanto lhes dizia: –“O homem propõe, e Deus dispõe!”. E aquele almoço improvisado foi outro grande momento de bom humor e de detalhes simpáticos para com todos, sem nenhuma alusão ao contratempo. O Padre não queria que, naqueles seus filhos que haviam organizado a romaria, ficasse a menor sombra de desgosto ou constrangimento.

Assim, o dia das nossas “aflições” ofereceu-nos o retrato de uma alma esquecida de si mesma, de uma alma abandonada nas mãos da Providência e inteiramente voltada para o bem e a alegria dos outros. 

Ao refletir sobre esse sucesso, veio-me espontaneamente à memória algo que ouvi o Padre comentar, quando eu estava em Roma: – “Muitos dias, ao fazer o exame de consciência à noite, tenho que dizer a Jesus: Senhor, se não pensei em mim; se só pensei em Ti e nos outros!”

IV. Um santo em Aparecida do Norte


Terça-feira: 28 de maio de 1974 Josemaria foi até ao santuário da padroeira do Brasil, Nossa Senhora da Conceição Aparecida. Quando descia as escadas, uma senhora adiantou-se e entregou-lhe um ramo de rosas brancas: “São para Nossa Senhora”, disse o Padre, pegando nelas. Posteriormente, entrou na basílica, onde centenas de pessoas o esperavam para acompanhá-lo na recitação do terço. O fundador do Opus Dei se ajoelhou-se no chão do presbitério e começou-se a rezar, em português, o Terço.

Com o olhar fixo na pequena imagem, São Josemaria respondia em voz baixa às orações. Pausadamente, em uníssono, toda a igreja rezava em voz alta. Quando terminou, o fundador do Opus Dei levantou-se e rodeou o altar pelo lado direito, para subir até ao camarim de Nossa Senhora Aparecida. Olhou uns instantes a Virgem e beijou o escudo enquanto dizia em voz baixa: “Mãe!”. 

As rosas ficaram aos pés da imagem. No dia seguinte, comentou: "Com que alegria fui à Aparecida! Com que fé rezáveis todos! Eu dizia à Mãe de Deus, que é Mãe vossa e minha: Minha Mãe, Mãe nossa, eu rezo com toda esta fé dos meus filhos. Queremos-Te muito, muito. E parecia-me escutar, no fundo do coração: com obras!"


Hoje no chamando Santuário Velho se conserva uma imagem da madeira de São Josemaria, posta lá - em 08 de novembro de 2012 - para recordar sua visita aquele santuário mariano.



Durante os 17 dias que permaneceu em nosso país São Josemaria desenvolveu atividades apostólicas que produziram frutos em diversas almas. Na Catedral da Sé de São Paulo foi colocada, em junho de 2012, uma imagem do santo que recorda sua estadia entre nós. 

No Brasil o Burrico Sarnento deu testemunho de sua fé inquebrantável, de sua confiança em Deus, de seu devotamento a Maria Santíssima e de sua entrega total as almas. Josemaria faleceu pouco mais de um ano depois de sua visita ao nosso país, mas, morreu dizendo: "O Brasil: uma mãe grande, que abre os braços a todos e a todos chama filhos". 



Adaptado do livro «São Josemaria Escrivá no Brasil, esboços do perfil de um santo», Francisco Faus, "Editora Quadrante", São Paulo, 2007.

Nenhum comentário: