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terça-feira, 30 de dezembro de 2008

RARA ENTREVISTA DE MONSENHOR GUIDO MARINI


O Papa, da 'loggia' central da Basílica Vaticana, no dia de Natal, para a bênção Urbi et Orbi

Assim o acompanharam centena de milhões de pessoas de toda parte do mundo. Uma escolha ditada pela sobriedade e essencialidade? Não, simplesmente uma busca de ordem, de limpeza, também nos paramentos, na era da globalização midiática. Bento XVI observa também estes particulares, atento para não causar confusões, sobretudo para não diluir o mistério ou as celebrações dos sacramentos no processador das imagens. Mas é sobre a liturgia que a atenção do Papa se detém particularmente. Bastava seguir, apenas poucas horas antes, o rito solene da missa da noite de Natal para se dar conta. A “Kalenda”, ao término da vigília e antes da liturgia; os longos silêncios; a genuflexão dos fiéis que recebiam a comunhão; o crucifixo no centro do altar e os castiçais, belos mas talvez obstáculos para a transmissão televisiva, a homenagem floral das crianças depositada ao término da missa.

E as modificações não acabam aqui. Nesta virada sutil tem a seu lado um monsenhor jovem (43 anos) e “sutil” como Guido Marini, laureado em direito canônico. Há quatorze meses é o mestre das celebrações litúrgicas pontifícias. Substituiu o bispo Piero Marini, que esteve durante anos ao lado de João Paulo II. Sacerdote genovês modesto, um pouco tímido, mas com as idéias claras e distintas. Um homem piedoso, doce e com um sorriso cativante que o torna imediatamente simpático. Esta é uma de suas primeiras, raras, entrevistas.


Monsenhor Guido Marini, Mestre de Cerimônias do Santo Padre

Mons. Guido Marini, quem foram os seus mestres?

“Quando ingressei no seminário era arcebispo o Cardeal Giuseppe Siri. Fui ordenado sacerdote pelo Cardeal Canestri. Sete anos como secretário de Canestri e sete com o Cardeal Dionigi Tettamanzi. O Cardeal Tarcísio Bertone me nomeou responsável pelo ofício das escolas da arquidiocese, diretor espiritual no seminário onde ensinava direito canônico. Depois chanceler da cúria e prefeito responsável pela catedral. Com o Cardeal Tettamanzi dei os primeiros passos como cerimoniário”.

“Liturgia, cume da vida da Igreja, tempo e lugar da relação profunda com Deus”, como diz Bento XVI. De onde lhe veio este amor pela liturgia?

“Foi um amor juvenil no sentido que minha vocação tem as suas raízes na liturgia; o amor pelo Senhor foi também um amor pela liturgia como lugar do encontro com o Senhor. Em Gênova sempre houve um importante movimento litúrgico”.

Suponho que tenha sido o Cardeal Tarcisio Bertone, tornado Secretário de Estado da Santa Sé, que propôs o seu nome a Bento XVI.

“Sim, a proposta me chegou através do Cardeal Bertone. ‘O Papa – me disse – está pensando no teu nome’”.

Com o Papa bávaro, estamos assistindo a uma operação de mudança do estilo litúrgico ou a alguma coisa mais profunda?

“É alguma coisa de mais profundo na linha da continuidade, não da ruptura. Há um desenvolvimento no respeito à tradição”.

Desde sua chegada as mudanças ou correções começaram. Algumas imperceptíveis, outras mais vistosas.

“A mudança é diversificada. Uma foi a colocação do crucifixo no centro do altar para indicar que o celebrante e a assembléia dos fiéis não se olham mutuamente, mas juntos olham para o Senhor que é o centro da sua oração. Outro aspecto é a comunhão dada aos fiéis de joelhos pelo Santo Padre e distribuída na boca. Isto para evidenciar a dimensão do mistério, a presença viva de Jesus na Santíssima Eucaristia. Também a atitude e a postura são importantes porque favorecem a adoração e a devoção dos fiéis”.

O Papa Bento é o primeiro Papa que não tem a tiara no seu escudo. Mudou o pálio do início de seu ministério apostólico e abandonou o característico báculo, do artista Scorzelli, dada pelos milaneses a Paulo VI. Aquele báculo em forma de cruz foi usado também pelo Papa Luciani e por João Paulo II. O Papa Ratzinger escolheu uma férula. Uma simples cruz.

“Como o snhor disse, o báculo papal é a férula, a cruz sem o crucifixo, dando a esta um uso mais costumeiro e habitual, e não apenas extraordinário. Ao lado de tais considerações se impôs uma questão prática: um báculo o mais rapidamente, e o encontrámos na sacristia papal”.

Já acenamos para a introdução do silêncio na missa. Em Roma, no centro da cristandade, as liturgias aparecem na sua esplêndida solenidade. E a língua de Cícero, o latim, supera todas. Depois se pensa em antecipar o sinal de paz e numa saudação final diferente por parte do celebrante. A intenção é recuperar plenamente o caráter não arbitrário do culto. A criatividade e espontaneidade como uma ameaça.

“Não serei tão drástico e nem mesmo me agrada a expressão, usada por alguns, ‘saneamento litúrgico’. É um desenvolvimento que valoriza ulteriormente aquilo que fez egregiamente e por tantos anos, como mestre das celebrações litúrgicas pontifícias, o meu predecessor, o bispo Piero Marini. As questões que o senhor destaca acerca do deslocamento do sinal de paz ou outras não competem ao meu ofício mas sim à Congregação para o Culto Divino e ao novo prefeito, o Cardeal Antônio Cañizares. É meu dever empenhar-me para realizar de modo exemplar a unidade e a catolicidade da todos aqueles que participam das celebrações da Santa Missa papal”.

Quando veremos o Papa Bento celebrar a missa em latim segundo o rito romano extraordinário, o de São Pio V? Eu, pessoalmente, interpretei o ‘motu proprio’ como um ato de liberalidade, de abertura, não de fechamento.

“Não sei. Muitos fiéis aventam esta possibilidade. O Papa decidirá, se o julgar oportuno”.

Na “Exortação Apostólica” pós-sinodal sobre a liturgia, Joseph Ratzinger se deteve sobre muitos aspectos. Propôs até que as igrejas sejam voltadas para o oriente, para a Cidade Santa de Jerusalém. Ele, faz um ano, celebrou a missa na Capela Sistina com de costas para o povo. Quem lhe propôs?

“Eu lhe propus. A Capela Sistina é um baú de tesouros. Parecia uma violência alterar-lhe a beleza construindo um palco artificial, postiço. No rito ordinário, este modo de celebrar “de costas para o povo” é uma modalidade prevista. Porém sublinho: não dá as costas ao povo, mas sim celebrante e fiéis estão voltados para o único ponto que conta que é o crucifixo”.

“O Papa veste Cristo, não Prada” se leu no “L’Osservatore Romano”. O ‘look’ de Bento XVI impressiona e intriga. Paramentos, mitras, cruzes peitorais, cátedras sobre as quais se senta, mozetas e estolas. Estamos diante de um Papa elegante. É uma invenção jornalística?

“Simplesmente dizer ‘elegante’, na linguagem de hoje, pareceria significar um Papa que ama aspectos exteriores, mundanos. Um olhar atento adverte que há uma busca que concilia tradição e modernidade. Não é a lógica de um impraticável retorno ao passado más é um reequilíbrio entre passado e presente. É a busca, se prefere, de beleza e harmonia, que são revelação do mistério de Deus”.

O que veremos nos Camarões e em Angola? As liturgias africanas são pitorescas, populares, onde existe uma totalidade que se exprime inclusive com a dança e os tambores. O senhor será posto à prova...

(Risos) “Só agora estamos preparando a viagem. Procuraremos pôr junto com as tradições locais aquilo que vale para todas. Com sua simples presença o Papa manifesta a Igreja, uma, santa, católica. Acharemos a síntese entre aquilo que une a Igreja, no rito romano, e os aspectos típicos e sensibilidades culturais. Inculturação da fé e da liturgia e dimensões universais”.

A liturgia é um sedimento, um patrimônio milenar. O missal é entrecortado de citações da Bíblia aos Padres da Igreja do Oriente e do Ocidente. Salmos responsoriais, orações ou coletas, o sacramentário que é a parte central da missa. É um patrimônio intocável. Cada vez que há uma celebração o senhor consulta o Papa? Que tipo de comunicação há?

“Muito simples. O Papa é consultado nas coisas relevantes e antes de uma celebração tem todos os textos. Ordinariamente, lhe enviamos notas escritas e ele responde por escrito, de seu punho”.

O senhor está fazendo uma experiência forte e extraordinária. Episódios que lhe tocaram?

“Sim,é uma experiência forte. Tocou-me a viagem do Papa aos Estados Unidos. Sendo minha primeira viagem internacional com o Santo Padre, havia um sabor de novidade. Uma viagem emocionante pelo afeto e o calor, pelo clima espiritual. E me tocou a entrega do pálio, em junho, aos metropolitas. Um metropolita dirigiu-se assim ao Papa, de joelhos: ‘Padre Santo, venho de uma diocese em que o meu predecessor sofreu o martírio pela fé. Reza por mim para que também eu possa ser um mártir’. Compreendi ainda mais o que significa ser Igreja”.

Há grande sintonia, feeling, entre o senhor e o Papa?

“Da minha parte é absoluta.”

Como definiria o Papa Bento XVI, o senhor que tem a fortuna de estar a seu lado?

“Une a uma excepcional grandeza intelectual uma enorme simplicidade e doçura. É um traço característico de sua figura espiritual e humana. É uma realidade que verifico e toco com as mãos. O fato de estar próximo do Papa, deste Papa, é uma grande graça para o meu sacerdócio”.


2 comentários:

Anônimo disse...

Estou impressionado com a grandeza deste blog...Une Fé, Liturgia, Tradição e informações úteis que todo cristão merece saber... Esta entrevista com Mons. Guido Marini..excelente...raríssima e muito cheia de noções acerca da sagrada liturgia romana. Ciro, Parabéns pelo blog!

Sem. Ciro Quintella Lacerda - Cor Unum et Anima Una disse...
Este comentário foi removido pelo autor.